domingo, 15 de abril de 2012

Ser, ter e compartilhar: O acesso aos bens culturais é um direito da sociedade?


Ser, ter e compartilhar

O acesso aos bens culturais é um direito da sociedade? Como contemplar o interesse público e o direito do autor? É possível dizer que está surgindo um novo conceito de autoria? O 'sobreCultura 8' propôs o debate a dois pesquisadores da área. Leia abaixo as opiniões.

Ser, ter e compartilhar

Compartilhar direitos

por Ana Sílvia Couto Abreu
Novos modos de construção e de circulação de bens culturais vêm trazendo consequências favoráveis às condições de acesso a esses bens. Temos, atualmente, maneiras de produzir e fazer circular uma obra que implicam uma diferente relação entre o autor e seu público; isso porque, com as novas possibilidades de convergência tecnológica – como o surgimento de redes sociais com compartilhamento de arquivos, escaneamento de obras, downloads e arquivamento no computador, entre outras –, esferas são eliminadas nessa relação, tradicionalmente mediada, no mundo impresso, pelos editores de obras.
Nesse momento em que se fortalece o discurso pela abertura – conteúdo aberto,software livre, código-fonte aberto, download grátis de músicas e vídeos, repositórios de bibliotecas disponibilizados na internet com possibilidade de cópias de obras de literatura –, os direitos autorais são postos em questão.

Não que a relação autor e direitos tenha sido, em outros tempos, algo sem questionamentos; sabemos que o surgimento do copyright não se deu sem disputas. Ocorre que a circulação de informações no meio digital, em diferentes instâncias de interlocução, como blogswikis, ambientes virtuais de aprendizagem e redes sociais, vem colocando desafios ao arquivo jurídico vigente sobre direitos autorais.
Temos, então, um movimento de reconfiguração da legislação de direitos autorais. No Brasil, esse movimento foi inicialmente liderado pelo ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, que destacou como pauta emergente a necessidade de se repensar a política autoral, levando em consideração o bem comum e o interesse público, no sentido de estabelecer políticas culturais baseadas no equilíbrio entre os direitos do autor e os direitos de acesso e uso pela sociedade. Esse posicionamento coloca-se ao lado da esfera pública, entendida como povo e não meramente como mercado, procurando estabilizar, no quadro jurídico, transformações em curso.
Nossa atual Lei do Direito Autoral (LDA), em vigor desde 1998, é altamente restritiva. Gestos cotidianos, como gravar um filme para assistir em outro horário, copiar uma música do computador para aparelho portátil, fazer cópia de livro para estudo, baixar e trocar arquivos, são tidos como ilegais.
Há, então, um jogo de forças entre o que é permitido juridicamente, em relação aos modos de produção e circulação de bens culturais, e o que é, de fato, realizado pelas pessoas, revelando-se a necessidade de uma mudança na legislação, já que esta deve representar e regular o modo de ser de uma determinada sociedade em seu tempo.
O embate, que é sempre político, tem sido intenso, com eventos
diversos ocorrendo pelo país, manifestações circulando via blogs, Twitter, Facebook etc., criação de redes e comitês para discussão da LDA, envolvendo instâncias diversas, com posicionamentos em confronto: associações tidas como responsáveis pela proteção ao autor, representantes de diversos setores da sociedade e o Estado.

Gilberto Gil
A atual gestão do Ministério da Cultura não legitimou o anteprojeto enviado à Casa Civil em 2010, colocando-o novamente para debate, em 2011; isso significou uma espécie de apagamento do relevante processo democrático – com fóruns, seminários, consulta pública do anteprojeto – que sustentou os debates sobre os direitos autorais no Brasil desde 2007.
Recentemente, uma nova versão do anteprojeto da LDA foi enviada à Casa Civil. Embora não tenha sido divulgada oficialmente, circulam na mídia trechos indicando uma proximidade com a versão anterior, no que se refere tanto à possibilidade de cópia de CD para outro suporte (para uso pessoal e sem visar lucro) quanto à condição de exibir filmes em escolas.
Entretanto, não sabemos em que medida o direito de acesso a bens culturais, de forma menos restritiva que a atual, realmente será garantido, possibilitando, por exemplo, para fins didáticos e de pesquisa, tanto a reprodução completa de obras – e não de pequenos fragmentos apenas, como está na lei atual – quanto a dispensa da prévia e expressa autorização do titular, no caso de reprodução e distribuição de obras protegidas, conforme anunciava o anteprojeto de 2010. Certamente, esse gesto político, que se configura juridicamente, traria importantes efeitos na formação de leitores e de potenciais autores do Brasil.
Ana Sílvia Couto Abreu é linguista e professora do Departamento de Metodologia de Ensino e do Programa de Pós-graduação em Linguística da Universidade Federal de São Carlos
Fonte:http://cienciahoje.uol.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário